sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Inertia

Inertia

É sempre igual. Todas as vezes.

Eu me levanto, as pernas trançam, o prato voa da minha mão. Os grãos de arroz voam também, em uma coreografia aérea meticulosamente ensaiada. O copo fica firme na mão direita em uma espécie de teimosia inanimada.

A faca e o garfo caem primeiro, tilintando em ecos pelo chão da cozinha. Depois é o prato, que se despedaça em mil cacos. Então a mão com o copo desce, tentando proteger o corpo que cai em seguida. O copo quebra e rasga pele, carne, tendões. Os cacos voam, a luz reflete os pedacinhos como pequenos brilhantes de segunda categoria. A cabeça bate no chão, o supercílio abre, o sangue jorra. O joelho tomba sobre um caco pontudo e também rasga. Há uma dor aguda e eu apago.

Mas eu menti. Não é sempre igual.

Às vezes é um carro que passa o farol vermelho, buzina e eu não ouço por causa do som do último álbum do Metallica explodindo nos fones do meu ipod. Às vezes é uma dor de cabeça pulsante que aumenta e aumenta enquanto o repórter dá as esclações dos times na TV, antes do jogo. E às vezes eu não sei o que é, porque vem durante o sono, sem que ninguém perceba até que seja tarde demais.

Mas é sempre comigo. Sou sempre eu.

Porque é mais fácil entender quando acontece com a gente. É mais fácil encarar. É mais fácil ir embora da festa antes que ela acabe. É muito mais fácil que ficar sozinho no salão vazio, depois que todos vão embora.

O problema é que quando a gente vai, ou quando a gente deixa que a inércia nos leve junto porque alguém ou algo se foi, há sempre alguém que fica sozinho por isso. Alguém que sente a dor que devia ser sua. A dor que devia ser minha. Por sua causa. Por minha causa.

É por isso que minhas pernas não trançam, os graõs de arroz não voam e a luz não reflete os pedacinhos do copo como pequenos brilhantes de segunda categoria. É por isso que ouço a buzina e deixo que o carro passe. É por isso que a dor de cabeça não vem. E é por isso que depois de um sono tranquilo, acordo no dia seguinte para mais um dia de sol.



Roubado de Dr. Careca. Não resisti. Depressão, solidão e Metallica em um só texto é de mais pra mim!

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